sexta-feira, agosto 31, 2007

HAJA DEUS!

Os Periódicos Literários. Os e as poetas da nova geração são os novos bandeirantes e as pedras preciosas são os novos poemas das novas minas gerais da poesia brasileira? Vai surgir, então, da nova ocupação das datas e sesmarias do atraente território o ressurto de uma colonização mais correta politicamente, ecologicamente, humanamente? Bem que o solo nacional, disponível e acolhedor, merece uma plantação criativa e salutar, nunca mórbida, nunca destrutiva. Não é assim que sempre foi o convite de sua inesgotável, rútila e consistente inspiração? Eis, pois, para a terra fértil os lavradores cuidadosos e competentes, ou seja, os poetas e prosadores das publicações periódicas DezFaces e Ato. Bem haja, pois. Sangue e Lágrimas. Mas diante dos últimos acontecimentos neste país de grileiros, não basta indignar-se, socar o ar, esmurrar a mesa, não basta apenas posicionar e replicar, pois que à revelia de qualquer racionalização os olhos espantados e fulminados do expectador, na manhã enevoada do noticiário apocalíptico deste amargo e letal país desgovernado, os olhos derramam copiosas lágrimas – e não há lenço nem barra de camisa que possa enxugar o borbotão da angústia, da tristeza, da amargura, do azedume de tanto assassinato direto e indireto cometido pela incúria governamental institucionalizada. Novamente Daisaku Ikeda. Continuando as transcrições das jóias preciosas do autor epigrafado, iniciadas na coluna da semana passada (página 35): “Somente na via látea existem mais de cem bilhões de sistemas estelares, ajuntados por um invisível fio cósmico que chamamos de lei da gravidade universal, de Newton. Todas as coisas do imenso cosmo, que deu nascimento à terra, estão atadas – umas às outras - por laços ecológicos. (...) O cosmo é um magnificente sistema de harmonias! Página 37: “As plantas, segundo o conceito de Makiguti, despertam em nós o sentimento estético, amortecem as nossas tendências assassinas, nos inspiram poeticamente e alimentam os nossos corações e as nossas mentes”. Na página 41, citando o mesmo Makiguti: “As montanhas podem tornar-se coisas vivas. O amor do homem pode transformar uma montanha fria e inanimada num quente, vibrante e apaixonado espírito”. Mas no mundo de hoje, ele diz na página 43: “a sociedade e a civilização ameaçam destruir a própria humanidade: não é preciso olhar muito longe para ver que as montanhas estão sendo despedaçadas, os vegetais agonizam, os rios ficam sem água”. Nas páginas 20 e 21, pescamos estas pérolas a respeito da proteção corpórea: “O corpo humano é composto de sessenta trilhões de células (...). No fígado tem efeito cerca de duzentos tipos de desintoxicação e atividades metabólicas (...). Para produzir todos os elementos químicos criados por essa víscera, seria preciso construir uma fábrica que ocuparia um espaço muitas vezes maior do que toda área industrial de Tókio e Yokohama (...), O cérebro tem cerca de 20 bilhões de células, mais ou menos em constante ação, que nos capacitam a calcular, pensar, tomar decisões (...). Se fosse construído um computador para realizar todas essas funções – ele cobriria toda a face da terra”. A sequência vem na página 21: “O corpo humano contém um espantoso arsenal de maravilhas estatísticas. A total extensão dos vasos sanguíneos de um adulto é de 96 mil quilômetros, mais de duas vezes a circunferência da terra. Para respirar, usamos trezentos milhões de células pulmonares. O mais maravilhoso de tudo isso é a harmonia com a qual trabalham juntos todas essas células e órgãos para produzirem um ser vivente com sua própria mente criativa. Não há dúvida que esse misterioso poder de unificação é que faz com que muitos pensadores rejeitem a idéia do corpo como máquina, inclinando-se para a teoria de alguma enigmática força vital”. Paráfrase do Salmo 121. Levanto os olhos para os montes e pergunto: De onde me virá o socorro? E ouço que meu socorro virá do Senhor, que fez o céu e a terra. Ele não permitirá que vacilem, que tropecem meus pés, nem deixará que eu caia no sono quem guarda com amor os quadrantes e círculos da terra. Ele é a imagem de minha proteção. Não deixará que adormeçam as graças e as virtudes. É a imagem protetora contra o sol que possa ferir meus olhos, contra a luz que possa embriagar meu cérebro: é a imagem das graças e das virtudes que animam meu coração.

quinta-feira, agosto 30, 2007

CINZAS DO NORTE

Ao iniciar a leitura do terceiro romance de Milton Hatoum (os anteriores, ganhadores dos prêmios Jabuti: “Retrato de Um Certo Oriente” e “Dois Irmãos”, todos publicados pela Companhia das Letras, São Paulo, SP), senti que já conhecia todo aquele cenário de paraíso perdido, povoado de personagens degradados, filhos de Eva. Nunca estive naquelas ínvias lonjuras, mas hoje a noção de distância é relativa, pois a comunicação é tão ágil que ficamos praticamente perto de tudo que acontece no saco geográfico deste mundo. A tensão ocasional que o autor suscita e impinge em cada conjunto de cenas no atípico arranjo da linguagem insinua logo na mente do leitor que é um livro para se ler atentamente, escapando aqui e ali de situações embaraçosas para alcançar, nas entrelinhas, a elegante firmeza de quem sabe narrar e descrever os estados de ânimo do ser humano derrubado na desanimada paisagem ofendida. Como se a cotejar a luxúria amazônica com a penúria nordestina a indagação vem logo no começo: a natureza luxuriante inibe a arte incipiente? É assim que por despeito ou gratuidade maledicente que o mais feio (o homem) ataca e massacra o mais bonito (a natureza)? Pelo sim e pelo não a arte estimula: da ausência chega à presença – e pode depois retroceder. Retoca os desvios, preenche os vazios, interliga os intervalos, e em contrapartida, propõe incoerências, expõe deslizes, denuncia e comete lesões e transcendências, tudo pelo amor de uma futura presença que venha substituir uma ausência permanente. É público e notório que a ruindade e a fealdade humanas empanam a bondade e a beleza da natureza, agora ofendida no deturpado cenário amazonense – o que é uma pena para nós, que a vemos assim de longe e de braços cruzados, como se víssemos um corpo ainda robusto, mas já desmiolado, com as partes mais resistentes já caiando aos pedaços nas mãos dos predadores. É quase certo que é com a mão no coração que autores como Graciliano Ramos (perante à penúria nordestina) e Milton Hotoum (perante à condenada luxúria amazonense) trabalham assim tão belamente em paisagens tão desarranjadas e com personagens tão desvirtuados. É claro que teriam redobrado prazer se o mundo e a vida que representam em suas obras possuíssem um pano de fundo literário que fosse de um mundo mais vistoso e de uma vida mais brilhante. É com muito equilíbrio emocional que o autor, desligando-se de uma paisagem de uma paisagem originária, edênica, liga-se à decomposta, mórbida e infecciosa paisagem da degradação das espécies, assim rebaixada ao monturo e ao descampado das chamas e cinzas e lamas, na qual uma humanidade hipócrita expõe as mazelas da própria ação criminosa: os indígenas reduzidos à expressão mais simples do pauperismo, atolados na bagunça da intemperança, forçados a comer o pão que o diabo amassou com o rabo nas palafitas e favelas da mendicância, da prostituição (adulta e infantil), do alcoolismo, da infinita miserabilidade. Onde , constantemente, os amigos se estranham, as famílias digladiam-se, o povo é o gado tangido pela chibata dos opressores desqualificados moralmente, despidos de sensibilidade e de intelectualidade. Um deus-nos-acuda é hoje o território que devia ser o salutar pulmão do planeta. As próprias palavras, “ como plantas absurdas, sem raízes na terra ou mesmo no ar: inflamadas não formavam opiniões”, ele diz na página 302. Alicia, vítima e algoz da sociedade representada por toda sorte e todo azar das tentações e malefícios e também das ações e situações insidiosas dos três amantes (o marido Jano e os enrabichados Ran e Arana, estereótipos da mais deslavada safadeza machista), é a estrela-guia do romance, que faz dela uma das personagens mais importantes da literatura de ficção brasileira, tanto pelo que sofre quanto pelo que faz sofrer. Uma vítima que enfrenta o algoz, igualando-se a ele na vilania, já que não lhe sobra outra alternativa para agüentar o que agüenta. Ao longo das páginas as palavras como que se engalfinham no contexto romanesco, tramam comunhões de fiapos, enrolam-se nas dubiedades e discernimentos, evaporam-se numa arritmia coordenada que redunda na equivalência dos contrários, espumando-se na possível afirmação que elas, as palavras, não apenas tecem os atos e os personagens do mundo alvoraçado, mas que são, em si mesmas e por via das dúvidas e das certezas, atos e personagens de toda a trama, como se fossem temperos que dão sabores à comida e à bebida dos leitores. “Mais de uma razão para chorar...e já não há palavras entre nós”, assim o livro termina, os personagens e as paisagens desaparecem – mas as palavras continuam a falar de cobras e lagartos no balaio de gatos desta vida neste mundo: “são manchas no papel, e escrever é quase um milagre”.

segunda-feira, agosto 27, 2007

MAIS LEITURAS II

1 – Livro SELETA – Prosa e Verso, editor José Maria Rodrigues (Editora TABA Cultural, Rio de Janeiro, RJ, 2005): A poeta e professora de literatura, Bethânia Guerra de Lemos, no poema “Último Instante”, fala das palavras que torturam : “a interjeição com olhar esfíngico numa antiga ferida”, um substantivo, como um carrapato agarrou sua ternura, e assim agarrou suas orelhas, gritando bem alto “coisas que não pude entender”, e se lembra de que um verbo, tirando-a da inércia, “sangrou-me a alma até o papel e salvou-me”. O poeta e professor (nosso velho e cordial amigo) Fernando Teixeira, comparece brilhantemente com dois belos poemas: “Sonetilho de Caminheiro” e “Cantiga do Irmão Francisco”. Mesmo dentro de nosso exíguo espaço da coluna, temos o prazer de aglutinar os versos do Sonetilho: “Por caminhos caminhante/ só caminha caminheiro/ e caminha tateante/ um caminho companheiro./ Se caminha companheiro/ não caminha solitário/ caminhante caminheiro/ mas caminha solidário./ No caminho solidário/ caminhante caminheiro/ já caminha confraterno/ pois caminhar solidário/ é sina de companheiro:/ um tempo de paz – fraterno”. Na página 147, Yara Vida Fonseca se posiciona perfeitamente encantadora no poema “A Mulher no Espelho”, que tentaremos, também, aglutinar uma parte: “Enquanto me penteio,/ obseravo o espelho/ e vejo que me agradam/ a boca bem feita/ e a pele macia:/ ainda sou jovem.../ (...). Meu olhar afetuoso, cúmplice de meu sorriso/ mistura-se ao verde da íris”. E assim vai belamente exprimindo, não a declaração de uma vaidade, mas sim, a constatação das proprias virtudes pessoais, de modo justo e espontâneo. Outra participante da antologia, Neusa Maria Fraga Barreto (uma possível parente de Santo Antônio do Monte?) fala do encontro e da consequência do amor em sua vida, da terna correspondência dos amantes, até concluir que “Amando/ fui me encontrando/ na busca de o encontrar./ Amando-o, existo/ na espera de juntos/ caminhar”. 

 2 - O livro VIDA (Um Enigma, Uma Jóia Preciosa), de Daisaku Ikeda, trad. de Limeira Tejo, edit. Record, Rio de Janeiro, RJ, 1982). Página 19: “O corpo, instrumento de ação vital – é composto de matéria – formado de células que resultam da composição de moléculas e proteínas, que podem ser partidas em carbono, nitrogênio e outros elementos encontrados em qualquer área do universo. Não há elementos químicos no corpo humano que não existam em outros lugares.”Página 29: “cerca da metade da proteína do fígado é renovada a cada duas semanas e o tecido muscular é completamente substituído de quatro em quatro meses (...). Um recém-nascido dorme e desperta cerca de sete vezes por dia. Por volta dos quatro meses, pode ver e ouvir. (...) O padrão da vida humana é – de um modo geral – o de levantar-se quando o sol nasce e deitar-se quando é noite”. Página 27: “Jung acreditava que, basicamente, as vidas de todas as pessoas repousam numa fundação comum. Ele chama a isso de “inconsciente coletivo”, que contém uma herança que remonta aos começos da humanidade. Ele construiu a ponte entre a psicologia e a religião, ao afirmar que existe, de fato, algo intimamente relacionado à religião na idéia de que os bilhões de habitantes do planeta participam de uma memória geral”. Página 32: “É um princípio científico aceito entre os ecologistas o de que todos os seres vivos estão conectados uns aos outros, e temos aqui o apoio científico para o que denominei de tecido da vida”. Página 31: “Um Só Cosmo. Num poema chamado “Milagres”, Walt Whitman canta – em termos esquisitamente simples - a beleza e o mistério da natureza: “Por que e por quem tantos milagres são feitos? Por mim nada conheço que não sejam milagres. Quer caminhe pelas ruas de Manhattan, Ou olhe os céus por cima dos tetos das casas, Ou chapinhe os pés nus ao longo da praia, à beira d’água, Ou fique parado sob as árvores na floresta, Ou fale com que amo, Ou durma na cama com aquela dos meus sonhos, Ou me sente à mesa, ao jantar, com os outros, Ou pondo os olhos em estranhos viajantes num carro em sentido contrário, Ou observando as abelhas em torno da colméia numa tarde de verão, Ou os animais pastando nos campos, Ou os pássaros ou a maravilha dos insetos no ar, O espetáculo do sol no ocaso, ou as estrelas tão quietas e brilhantes no espaço infinito, Ou a esquisita, delicada e tênue curva da lua nova na primavera: Estes e o resto, um só e todos, são milagres para mim, Referidos ao todo, mas cada um distinto e em seu lugar.

domingo, agosto 26, 2007

MAIS LEITURAS!

Teoricamente toda pessoa ao nascer já é possuidora de parte da universal herança da terra e do ar e de seus inumeráveis apêndices para o sim e para o não: a vida e a morte, a fome e o alimento, o amor, o amor, o amor. E o amor de tudo pode estar bem ao alcance das mãos: os livros e, neles, a literatura. A literatura, alguém já disse, é o local de encontro de duas almas. Naturalmente quis dizer de todas as almas, de duas em duas, aqui, ali, acolá, abrangendo toda a extensão planetária. Quem sabe ler sabe como preencher os vazios, completar as carências, ocupar o tempo abrindo diante de si outros tempos, outros lugares, outras pessoas. Desde a infância que leio, leio e leio: até parece que nasci só para ler. Nem posso calcular a quantidade de livros que já li, nem dos que já reli uma ou mais vezes. A leitura é assim mesmo: a gente vai passando os olhos, parando aqui e ali, para fixar um lugar, um acontecimento e, não raro, marcamos a página para rever depois. Na minha biblioteca conservo mais de mil livros, todos lidos, muitos relidos e com páginas marcadas em trechos que possam reenviar-me aos momentos de esclarecimentos, inquietação e deslumbramento – referenciais de necessárias releituras e reviviscências. Agora, tentando compartilhar tais impressões de leituras, lanço aqui na coluna do jornal e do blog algumas dicas ou endereços de congraçamentos com os leitores. Começo com o livro “Ariel Ou a Vida de Shelley”, de André Maurois, tradução de Manuel Bandeira, Editora Record, Rio de Janeiro, Rj, sem data. Na página 76: “O homem não se parece com nenhum carnívoro: não tem garras para reter uma presa; os seus dentes foram feitos para comer legumes e frutas. Adoece quando toca na alimentação cárnea que é um veneno para ele. Esse o sentido da história de Prometeu, que é evidentemente um mito vegetariano. Prometeu, isto é, o gênero humano, inventa o fogo e a cozinha; imediatamente um abutre entra a roer-lhe o fígado. Esse abutre é a hepatite, claro.” Shelley, expoente do Iluminismo do séc. XIX na Inglaterra, falecido aos 29 anos de idade, deixou uma bela obra para a eternidade em versos líricos e participativos, nos quais transparecem sua procura de “um sistema de idéias capaz de reconciliar sua fé na bondade humana com a evidente brutalidade do mundo”. Casado com Mary Shelley (1797-1851) (autora (criadora) do controvertido romance de prematura ficção científica, “Frankenstein – o Prometeu Moderno”), ela o ensina que “o maior encanto da cultura literária é que ela humaniza o amor”” (pág. 107). Amigo íntimo do desabusado poeta Byron, a quem pretendia salvar do desregramento comportamental, ele o contradiz no conceito da glória fugaz em comparação com o verdadeiro reconhecimento dos valores intrínsecos de uma personalidade, perguntando: “O que seria da raça humana se Homero, se Shakespeare não tivessem escrito? Você, Byron, não deveria fazer nada mais senão exprimir seus próprios pensamentos, dirigir-se à simpatia das criaturas que podem pensar como você. A glória vai no rastro daqueles a quem ela é indigna de guiar” (pág. 125). Ao embalo das referidas compilações, prossigo nas pinçações leituristas, agora no livro “Gregos e Baianos”, de José Paulo Paes (Editora Brasiliense, São Paulo, SP, 1985): “Foi contra os excessos da tirania da razão – responsável no campo das artes por uma fria elegância formal onde não havia espaço para a expressão dos desejos, anseios ou temores mais obscuros da alma humana – que se voltou a literatura fantástica. A empresa a que se propunha era contestar a hegemonia do racional, fazendo surgir, no seio do próprio cotidiano por ele vigiado e codificado,o inexplicável, o sobrenatural – o irracional, em suma. freqüentes vezes a irracionalidade é posta a serviço da ordem social vigente, à qual ela cuida de justificar e legitimar, ao mesmo tempo em que estabelece um silêncio punitivo sobre o que considera irracional. Daí a justeza da observação de Irene Bessiére, de que a narrativa fantástica “denuncia, pela recusa do verossímil, todas as máscaras ideológicas” (pág. 190).

sexta-feira, agosto 24, 2007

COLCHA DE RETALHOS

1 – A Zoologia Fantástica, segundo Assis Brasil: Aqueronte: titã, demônio, rio infernal. Boto: peixe encantado em rapaz. Sereia: peixe encantado em moça. Unicórnio: animal (rinoceronte) de um só chifre. Minotauro: cabeça de touro, corpo de homem. Mandrágora: raízes de formas humanas. Cérbero: cão do inferno. Esfinge: cabeça humana, corpo de leão, patas de boi, que desafia os seres humanos com seus enigmas. Dragão: símbolo do mal. Saci: negrinho de uma perna só. Boitatá: cobra de fogo. Caipora: é o mesmo currupira, montado no porco caititu. Arranca-língua: bicho peludo. Centauro: cavalo-homem. Fênix: o que renasce das cinzas, símbolo da imortalidade. 2 – “A hora mais triste do amor é quando vemos que ele precisa morrer e não temos força par matá-lo” (fragmento de uma carta de Maria Perpétua da Silva, uma quase namorada de Dores do Indaiá, na década de 60). 3 – Os seres vivos dentro do cérebro são muitos, na mesma acalorada interlocução. Dir-se-ia que a consciência remete à mente e à libido o que recebeu da memória e a inteligência abalizou. Aí o pensamento entra em ação e o processamento ferve e a cerebração, como se fosse uma maquinação, percorre a roda dentada da instigação, incessantemente, mesmo que o portador dos órgãos esteja a dormir profundamente. A luta é titânica dentro de nós: o pensamento a exigir da mente e da consciência mais dados de envolvimento, a inteligência a cobrar mais originalidade da imaginação e esta a escavar, a voar, a nadar nos abismos e nas superfícies, montada nas vertigens da lucidez (como diria Maria Esther Maciel em livro sobre a poética de Octávio Paz). Assim, pois, a mente, que aparentemente é incolor e incontida nos próprios umbrais, na verdade é uma hidra insaciável a exigir de seus circuitos as cargas alimentícias que a faz viver todos os minutos da eternidade, tim-tim-por-tim-tim, custe o que custar o esforço de nossas pestanas e neurônios (trecho de meu romance inédito “O Dia do Casamento”). 4 – Conta lenda tupi que três fâmulos levavam o coco de tucumã dentro do qual Deus guardava metade da noite com a sua escuridão e as suas estrelas com os cantos dos grilos e os suspiros do amor, os apelos dos sapos e os sonhos de amor. A outra metade da noite estava no fundo das águas e o dia, sem a noite, era igual e alegre e feliz. As coisas vinham de graça nas graças de Deus. Ninguém subjugava ninguém. Ninguém era melhor que ninguém. Mas os fâmulos acenderam fogo dentro da canoa na qual levavam o coco de tucumã, que se abriu ao calor do fogo, derramando a noite nas doze horas restantes do dia. E os bichos passaram a ter medo dos homens, pois cada um deles acredita ser o rei dos animais, quando na verdade é sabido que nenhum deles chega aos pés de um simples beija-flor. 5 – Na mitologia indígena os homens e os deuses revezam-se na criatividade e nas invenções. Enorê, o ente supremo, esculpiu uma figura humana num pau, no qual deu três varadas e logo o pau virou um homem de verdade. Ao inventar a água, bebeu-a, vomitando-a em seguida. E assim a água se multiplicou e formou os mares, os rios e as lagoas. 6 – As pirâmides egípcias sãos os monumentos milenários da cultura faraônica. Ninguém explica, porém, onde a história escondeu a tecnologia que erigiu a obra colossal, tendo em vista a inexistência do ferro e da roda naquele período tão afastado dos tempos da instauração das técnicas modernas. A Grande Pirâmide de Quéops é formada por mais de dois milhões de blocos de pedras com duas toneladas e meia cada uma. “Em média” (segundo Peter Snowdon) “esculpiu-se, removeu-se e colocou-se um bloco desses de quatro em quatro minutos, dia e noite, durante vinte e três anos. Mesmo hoje isso parece impossível”. Alguns estudiosos atribuem a perfeição delas à presença de extraterrestres no planeta. A Barca Funerária dessa Pirâmide foi desmontada em 1.244 peças e levou 14 anos para ser reconstituída. Tinha 43 metros de comprimento e 5,9 de largura. Em madeira de cedro. Sua única imagem é uma estatueta de marfim, que se encontra no Museu do Cairo. 7 – A revista VEJA, o melhor posto avançado na defesa dos valores morais da dignidade brasileira, em sua edição 2002 desmascara o engodo petista, segundo o qual todo o mal nacional advém da influência das “zelites” nas camadas sociais. Ressalta enfaticamente que “ao contrário do que propalam, a elite nacional é o farol da modernidade”, acrescentando em reportagem calcada numa pesquisa do sociólogo Alberto Carlos Almeida (autor do livro recém lançado pela Editora Record, “A Cabeça do Brasileiro”), que: “elite é muito mais que sinônimo de “rico”. Como registram os dicionários, é uma palavra de origem francesa que significa “o que há de melhor numa sociedade ou grupo”. Leitura recomendável ao presidente da república que parece cuspir quando se refere às “zelites”, corrompendo, assim, seus subordinados eleitores e militantes.

quinta-feira, agosto 23, 2007

SOCIEDADE DE PROTEÇÃO AOS ANIMAIS

Acompanhando a campanha contra os predadores da Natureza, desenvolvida simultaneamente por muitas pessoas abençoadas, entre as quais cito aqui, de passagem, a escritora Ivana Maria Negri, da Sociedade Piricicabana de Proteção de Animais, a poeta Leila Miccolis, do site www.blocosonline.com.br/gatolândia, da professora Salete Micheline, site http://www.floraisecia.com.br/detalhe, a leitura dos livros de Henry D. Thoreau e de Daisaku Ikeda. Cito também o vídeo de Osvaldo André de Melo sob roteiro de minha autoria intitulado “O Verde Mais Antigo”, em que filmamos e descrevemos o que ainda há de preservado ao longo do Rio Pará, da nascente à barra com o Itapecerica, na Cachoeira do Caixão. E cito também o poema de T.S.Elliot, que tentei parafrasear com o título de “Os Três Nomes do Gato” e inclui no livro (inédito) “A Janela dos Anos”. Nele Elliot garante que todo gato possui três nomes: o comum, de conhecimento de todas as pessoas; o mais seleto, das pessoas sofisticadas; e o mais adequado, das pessoas que mais amam o bichano. E, ele arremata, além dos três nomes, o gato ainda tem mais um que ninguém sabe qual é, que nenhuma pesquisa humana é capaz de descobrir. É por isso, ele diz, que quando vemos o gato bem quieto, sentado sobre o rabo, a olhar o distante perto e o perto distante, o que ele está mesmo é meditando sobre o seu mais íntimo, inestimável, inescrutável, seu profundo NOME, que só ele sabe qual é e nunca dirá a ninguém. De minha parte confesso que meu amor aos gatos vem da infância, herança de meu pai, que criava com todo carinho uma porção deles lá em casa. Chegou até a altercar-se com um catireiro que queria negociar animais de sela com ele. A cena acontecia no alpendre de nossa casa, onde ao lado deles dois gatos brincavam de brigar. Quando de repente um deles esbarrou na perna do negociante, este reagiu raivosamente com um chute no gato. Aí meu pai trepou nas tamancas, como se diz, despediu o cara abruptamente e, sob a alegação do outro que “gato é um bicho atôa”, ele irou-se ainda mais, exclamando: “Qualquer um deles vale muito mais do que sua pessoa, seu passador de mantas nos outros!” Lembro-me que na infância um dos gatos da casa ia toda noite dormir comigo no quarto dos fundos. Ele chegava de mansinho, pulava na cama, já ronronando, procurando um modo de ajeitar-se e aí eu suspendia a colcha de algodão, ele deitava e ficava só com cabeçinha de fora, farejando o biscoito ou a broa que eu levava para ele, toda noite. Minha mãe gostava era do cãozinho Pequenês, ironicamente chamado Dener (famoso costureiro paulista dos anos 60), que ela lavava, perfumava e enfeitava, todo santo dia. Quando ele morreu, ela chorou tanto, sentiu tanto que enterrou-o no jardim da casa e, depois de vez em quando, ela revolvia a terra da sepulturazinha para chorar com os ossinhos do Pequenês nas mãos. Minha filha herdou dela o mesmo amor aos cães, mas sem exagerar. Amava o casal de Afegãs que possuía aqui em nossa casa de Divinópolis – e também chorou por ele, pelo telefone, quando de Belo Horizonte, onde estudava, recebeu de duas vezes as notícias de suas mortes prematuras. Hoje , vivendo em São Paulo, ela mantém o mesmo carinho para com o seu Beagle , tanto que até deu ao seu endereço eletrônico o nome dele. A luta pela proteção dos animais e da natureza, de um modo geral tem sido inglória, ao longo do tempo. As pessoas de um modo geral acreditam que os animais existem para propiciarem o bem estar delas. Não sei de onde tiraram alegação mais descabida, essa de que os animais só servem para serem comidos (como se fossemos carnívoros, quando na verdade somos mamíferos) ou para serem escravizados e judiados. Contrariado ao longo de minha vida diante deste cruel mal-entendido, tenho mesclado toda a minha literatura ao culto do amor de todos os seres vivos e não apenas dos humanos. Lembro-me agora de meus contos específicos, intitulados: “Esboço de Natureza Morta”, “O Inquisidor de Pássaros”, “Instinto Tribal”, “O Tirador de Formigas”, “A Expedição do Governador”, “Dinheiro na Árvore”, “As Partes Verdes do Sábado”, “Dois Patinhos na Lagoa”, “Um Par de Rolas”, “Inhambu na Capanga”, “Olhos de Pássara”, dos livros “A Cabeça de Ouro do Profeta”, “Aço Frio de Um Punhal”, “Memorial do Desterro”, “Os Contos do Apocalipse Clube” e “A Janela dos Anos” (os dois últimos ainda inéditos), que comprovam um amor não gratuito, mas realmente sincero e maduro, um grande amor por quem nunca me fez mal, só bem. O amor que desejo a todos.

PARÁFRASE DE UMA CANTIGA DE RODA

O cravo brigou com a rosa debaixo de um arvoredo O cravo comeu a rosa a rosa mamou no dedo. A rosa ficou doente o cravo pôs-se a chorar A rosa pulou da cama o cravo pôs-se a cantar. O cravo brincou com a rosa debaixo da laranjeira O cravo chupou a rosa que é fruta de outra roseira. O cravo escolheu uma rosa entre muitas de uma roseira. O cravo ganhou as asas da rosa mais voadeira. O cravo bicou a rosa no umbigo da bananeira A rosa comeu a fruta e ficou toda altaneira. O cravo brigou com a rosa no jardim da violeteira. O cravo quebrou uma perna A rosa saiu inteira.

VIAGEM DA LUA DE MEL

Aclimatação das circunstâncias e parâmetros a exclusão das contrariedades a praça nublada na lembrança? o escurinho do cinema novamente? mudança nela e nimim? As redondezas erguidas, enevoadas nas encostas? O caule tenro a sibilina musicalidade o temporal impávido a gostosa movimentação do vaievem otimizado a quintessência dos átimos e dos étimos a noite obesa dos pirilampos atritados mergulhos finquetes braçadas estirões o tentáculo da orquídea a subir nas paredes a paulada de amor não dói numa libido vindo de outra os interiores chamam das superfícies ela fulgia quando aprumava pura donzela angelical um quinhão sutil tanto na oferta quanto na procura. A juriti no ninho da rolinha? o inhambu de moita em moita, doido por mais um abraço? as firulas e os negaceios ó rútila frondosa rosa da tentação o mar recobre a montanha a nuvem inunda a floresta. Ela prolonga o mútuo assédio Ele não suporta o sangue nas veias desatadas Ambos batem numa porta é melhor arrombá-la logo apagar logo o incêndio de dentro das duas casas agora numa só casa.

A CRASSA IGNORÂNCIA

Não entendo minha urina: às vezes fluida e caudalosa, alegremente aquosa e pueril; às vezes ardida e purgativa, tristemente sanguínea e senil. Não entendo meu pênis: às vezes volumoso e procurador, mal cabendo no vão das pernas; às vezes encolhido e escondido, vergonhoso de si na inibição. Às vezes fico sem saber se o corpo é o que dele fazemos ou se ele é que faz nossa personalidade, se é ele que representa o que eu sou e o que eu estou ou se algo secreto a mim (a alma? o espírito?), é que é a razão e a sensibilidade de minha vida, na qual o corpo seria apenas um meio de transporte.

NOITADA NA BOITE BRASIL

O prorrogador de prazeres ataca novamente na noitada da Boite Brasil de Itumbiara? A castidade convive numa boa com a libido? A sensualidade pode ser uma teoria que jamais alcance e ultrapasse a linha vermelha da prática mais sensacional? A pornografia fica atrás ou adiante? O que os olhos não vêem o sexo pode sentir? O onanismo corrige mesmo os males da próstata? O simples pensar pode machucar alguém? O que se come no pensamento continua incomido? A cópula pode ser de apenas uma pessoa e não de duas ou três? Ou de muitas pessoas ao mesmo tempo? A de três é a mais lindamente cativante, a mais impossivelmente conseguível, a mais mentalizada? São tantos jardins tantas flores tantos céus num corpo caprichosamente moldado tenso sedento esfomeado! A mulher, mais que o homem, tem milhões de orgasmos para dar e receber: a boca e os lábios e a língua e os dentes de romãs e os seios maravilhosos e o púbis e a vagina e os lábios pequenos e grandes e o clitóris as duas bandas de música clássica da bunda a rosa entreaberta e semifechada do ânus (que bem merecia um nome mais bonito): os barrancos dos abismos das rosas a inteligência capciosa das nádegas o bandolim das vértebras a lua entre as nuvens da nuca a pedra de água verde do olhar ah! oh!

domingo, agosto 19, 2007

NOVA AUTORA DIVINOPOLITANA

A violência de situação geralmente precede, anuncia e ocasiona à violência de ação, mas não necessariamente. Muitas vezes as pessoas convivem normalmente com a primeira, malgrado o cristalizado dissabor, sem jamais derrapar do drama para a tragédia. É uma situação até aceitável socialmente, como sendo uma espécie de constante nas relações entre familiares, entre vizinhos e colegas de trabalho. É o caso de uma facécia muito comum na cultura popular, segundo a qual em certos segmentos sociais (na roça, principalmente) a pessoa que não consegue livrar-se de outra por quem antipatiza, acaba convidando-a para ser seu compadre. As idiossincrasias, negligências, Implicâncias, rivalidades, arrufos, são ocorrências triviais no convívio familiar e social de toda parte. Os irmãos se atritam desde a infância, os casais idem desde o período final da chamada lua de mel, os vizinhos, os colegas de trabalho implicam-se e perdoam-se com as vistas grossas, cada um desejando intimamente que o desafeto vá para o inferno o mais depressa possível. O que nunca acontece, felizmente. No conto “Ultraje”, páginas 25 a 37 do livro ‘ESSE TREM LOUCO DA VIDA” (auspiciosa estréia de Sulamita Coelho Amaral na literatura, que já hospeda, festivamente, vários membros da família, sob a égide do patriarca Joaquim Coelho Filho, autor de requintados poemas), essa incompatibilidade de gênios das pessoas fica bem patenteada no decorrer da narrativa. “A casa é aquela da rua atrás da praça”, assim a autora prenuncia o desenrolar da narrativa volátil, de meios tons, indireta, ou seja, sem enfatizar o objetivo de ir por determinados meios até chegar a um determinado fim. Segue cautelosamente por lugares que parece desconhecer e que só aos poucos vai esclarecendo. A narrativa chega a ser até mesmo descritiva, mostrando em detalhes, sem julgar, o comportamento dos membros da família que se associa aos feitios e movimentos dos objetos e das coisas e dos outros seres vivos que emolduram os vultos e perfis da pessoas propositalmente sombreadas no cenário predisposto em seu angustioso torvelinho de meia-luz ao crucial conflito do desenlace final. Desenlace promovido pela invasão da violência de ação onde capengava a costumeira e normal violência de situação, o pequeno inferno do lar, como diria Paulo Francis. A ação, representada pelos promotores do crime (organizado ou simplesmente estúpido), que chegam ameaçando, esbofeteando, estuprando e matando. Ocorrência tão comum num país que chegou ao ponto de banalizar até mesmo a tragédia mais sangrenta possível. “Olha aí, Dona”, diz o chefe dos invasores. “O tempo correu e o Coisa Ruim continua solto.... A cobiça é a corda da forca desta família.... Vamos acabar com este lero-lero.” E chegando neste ponto já era a morte que falava. Mas a autora não se detém no círculo da crueldade mental e braçal. Vai atenuando o ódio de alguns com o amor de outros, e assim consegue, entremeando as narrativas curtas com as longas, as reminiscências com as perspectivas. Assim, habilidosamente e sem alarde, ela vai escalando o percurso da recriação do que passou e do que vai passando, com propositais intervalos poéticos, como no final do conto que dá nome ao livro (na página 75), citando a carta do solidário Jovino à quem ele chama de Dona dos Olhos Negros: “Dona dos Olhos Tristes, tudo a gente esquece, mas nunca o entardecer na roça; assim não tem jeito de me esquecer de você. (....) Em tempo: pedi a um bando de sabiás que lhe leve uma mensagem. Quando eles pousarem, repare no coro”. Assinado:Jovino.  

ADENDO: O veto do governador Aécio Neves ao arbitrário projeto do Foro Privilegiado funcionou como uma aprovação indireta, uma vez que seus correligionários discordaram dele, aprovando-o assim impune e tacitamente, algo que normalmente não se vê. Se o poder judiciário não rejeitá-lo por inconstitucionalidade, fica então oficialmente criado o instituto da impunidade, em Minas, o que naturalmente vai expandir pelo país, estabelecendo, assim, não apenas o instituto, mas sim o Ministério da Impunidade, que será, sem dúvida, o maior de todos os inúmeros (tantos que se atropelam uns aos outros em desacertos, mordomias, fraudes e outros bichos medonhos. Os brasileiros honrados e honestos que saiam debaixo). Haja Deus!

terça-feira, agosto 14, 2007

POEMAS DE DORA TAVARES (*)

Comecei a lê-los antes de uma viagem, e agora, ao regressar, dediquei-me mais atentamente à leitura deles, que são bons desde quando começaram em suas mãos habilidosas numa serena e contínua incursão conscienciosa, sóbria, honesta, plenamente válida. O leitor abaixa a cabeça, alteia o coração, fica à vontade na paisagem e no momento que ela cria e movimenta a vida no mundo. E que vai sublimando as saliências e os vincos, sem necessidade de concordar ou discordar das partes e do todo de sua poética, sentindo e sabendo que o que está mesmo é aprendendo a enriquecer-se interiormente, conseguindo o cabedal de bens imateriais que não conseguiria na escola e no relacionamento comum do nosso cotidiano; . Não são poemas para entrar e sair dos olhos. São poemas que entram e ficam, ainda mais se pensamos na tradição poética do saudoso LUTE lá em Bom Sucesso (MG), articulando o poder da palavra criativa na boca e nas mãos, influenciando com o dom da naturalidade seus descendentes. Às vezes penso que a velha e rica cidade da região sísmica e aurífera tem os inspirados ares de uma ramificação da clássica Hélade ou da renascentista Arcádia e ele, Lute, um poeta da estirpe de um Homero grego ou do mineiro Gonzaga. Tanta poesia a transpirar dele que chegou a inspirar todos os filhos, um a um, ao longo dos anos. Dora Tavares é a primeira a publicar seu livro, o que abriu caminho para dois irmãos e duas irmãs. Que Deus seja louvado. Gosto muito da poesia dela, principalmente quando alteia a voz e ousa levantar problemas como se assim encontrasse soluções. No poema “Tresvario”, ela diz: “Como achar um ponto de equilíbrio, se o pêndulo do tempo é a própria oscilação?” A pergunta parece uma resposta à uma afirmação de versos de outro poema: “A poesia dorme em cama de ferro quando a ordem é estar alerta é o cochilo do demônio é a insônia de Deus”. E é assim que acabo caindo na tentação de copiar todo um poema sobre o TEMPO: O tempo sinaliza a pele, despede a cor do pêlo, o tempo despe. O tempo e seus momentos, destrói e refaz, o tempo é capaz? O tempo funde em nós palácios e casebres e rouba o que não deu. O tempo é ateu. 

(*) Dora Tavares já publicou um livro de poemas e agora publica seus textos em sites e blogs, como o  http://www.blocosonline.com.br. É só acessar para ler e conhecer.

sexta-feira, agosto 03, 2007

UMA, DUAS ARGOLINHAS

Os Sonhos Medonhos de Francisco Quevedo (1580-1645). - A gargalhada é a forma caricaturista do pranto. - Os ressuscitados não queriam sair das sepulturas. - Não havia ratos nem moscas na Arca de Noé. - Há mel na mandíbula de um leão. -Os sodomitas: por causa deles é que os diabos têm rabos. - Os que não estão no inferno, o inferno está neles. - Há quem este amor não dorme sem justiça ou com razão que é sarna e não afeição este amor que gruda e come. As Realidades Diáfanas. Penso que o conceito lapidar “penso, logo existo”, pode ser ampliado para alcançar muitas deliberações e direções, inclusive para afirmar que tudo que é pensado pode ter existência, se não concreta, pelo menos abstrata. Vislumbrando ai que o que é abstrato pode, quem sabe, concretizar-se um dia. É o caso da vida interplanetária. Tem sido tão propalada pela ficção, em seus vários gêneros (científica, literária, romanesca, cinematográfica) que passa a ter cabimento existencial, por enquanto apenas especulativo e fantasioso, mas como diz o jargão: não é de grão em grão que a galinha enche o papo? O imaginário palpitante e coeso não parte de uma premissa também palpitante e coesa? Tanta instauração existencial que revolucionou os parâmetros intelectuais não foi incorporada no lugar comum das coisas que com o passar do tempo não se tornaram até triviais? Ecos do PAN. Desolados, voltamos a ver no PAN a competição de jogos que incentiva, recrudesce o culto da violência humana, como se ela fosse necessária para fortalecer e encantar a nossa vida. Um absurdo observar como práticas fajutas, deselegantes e violentas, como o tiro ao alvo, as várias modalidades de luta-livre, o automobilismo, a esgrima, o levantamento de peso, o motambaique, a planagem aérea e a marítima, a caça disso ou daquilo, a briga de galos, os rodeios, as touradas, tantas formas brutais de competitividade agressiva e malfazeja, sejam relacionadas como esportes. Não são esportes no sentido da educação física , da recreação mental, do exercício cultural. Nem ver! São, sim, atividades fajutas e deselegantes, lançadas por dirigentes sociais irresponsáveis, para inocular uma espécie de sado-masoquismo, influenciando e incentivando as multidões ao maldito culto da violência. 

Os Sete Princípios de André Vermeuler (agradecimentos à escritora Lélia Parreira Duarte). 

1 – Estimule-se fisicamente. Mova-se, dance, faça exercício aeróbico, nade, pratique esportes, faça exercícios: com a mão esquerda toque a orelha direita, com a mão direita toque o nariz. E vice-versa, várias vezes. 

2 – Tome 8 copos de água, obrigatoriamente. Se estamos estressados, aumentemos para 16 copos. 90% do cérebro são compostos de água, que é o veículo das transmissões eletroquímicas. 

3 – Fique rodeado de plantas – elas aumentam nossa produtividade. Oxigene-se. Faça exercícios, caminhadas, respire em quatro tempos, segure o ar em 16 e exale em 8. 

4 – Alimentos para o cérebro: cinco porções de frutas e verduras ao dia: sementes, alho, grãos completos, cogumelos, azeite extra-virgem e proteínas – e peixes. 

5 – Pense positivamente. 

6 – Escute música. 

7 – Libere o cérebro, ocupando-o com jogos, viagens, leituras, exposições, estudos. Mantenha o equilíbrio. Não trabalhe demais. Trabalhe melhormente.

DIÁLOGOS DA CIVILIZAÇÃO

Diante da absurda e arbitrária tendência da política brasileira de usurpar o componente poético das relações sociais e das vivências individuais (o que infelizmente passa a definir nossa política como a anti-poesia por excelência, sobrepujando a nossa possível poesia de cada dia pela violência de cada hora dos ativistas do arrivismo mais exacerbado que já se viu na História do Brasil), sou impelido a rever os dados de uma antiga pesquisas do paralelismo histórico dos comportamentos humanos. A intenção absorveu-me na década de 60, quando estudei a coleção de livros da História da Civilização (12 volumes), de Will Durant, tradução de Monteiro Lobato e de Gulnara Moraes Lobato (edição da Cia. Editora Nacional, SP, 1950). Fui lendo, constatando e anotando a constância comportamental dos seres humanos ao longo da longa História, depois de certificar-me que duas linhas de ação humana pontificavam: a da Piedade (que se associa à Poesia) e a da Violência (umbelicalmente associada à Política). Preenchi cerca de oito cadernos de 160 páginas cada), transcrevendo idéias e acontecimentos nos trechos dos tópicos referentes às constantes comportamentais das pessoas em seus desmembramentos e gradações, confrontando as incidências sem antagonizá-las em termos meramente maniqueistas. As anotações abrangendo os dados comportamentais das culturas egípcias, gregas, babilônicas, judaicas, romanas, medievais e pré-modernas obedeceram, nos cadernos, a mesma seqüência da fluência temporal. Transcrevo a seguir algumas confrontações exemplares, colhidas aqui e ali nas mais de mil páginas dos cadernos. PIEDADE (Poesia): “Provavelmente foi essa cultura egeana (talvez no século nono AC) - tão antiga para ele como ele o é para nós – que Homero relembra quando fala na Idade de Ouro, na qual os homens haviam sido mais civilizados e a vida mais requintada, do que nos tempos de desordem em que ele vivia” (volume 1, 2ª. parte, pág.7). VIOLÊNCIA (Política): “Polignoto (472 AC) pintou o saque de Tróia – não o sangrento massacre da noite da vitória, mas o trágico silêncio da manhã seguinte, com os vencedores aplacados pela ruína que os cercava e pelos vencidos imersos na calma da morte”(ob.cit.idem idem, pág. 407). PIEDADE (Poesia): Sólon (556 AC), tendo dito aos atenienses que “cada um de vós, individualmente, deixa após si rastro de raposa, mas coletivamente não sois maior do que gansos”, pendurou armas e escudos do lado de fora de sua porta, como sinal de abandono da política e dedicou o resto da vida à poesia” (ob.cit.idem idem, pág. 156). VIOLÊNCIA (Política): “A planície era moderadamente fértil e seu solo revelava à leste jazidas de metais preciosos; mas não se pode apenas atribuir a isso a riqueza de Tróia (1194 AC) e o tenaz ataque dos gregos. A cidade achava-se admiravelmente situada para impor o pagamento de tributos a todo navio que atravessasse o Helesponto, ao mesmo tempo que ficava convenientemente afastada do mar para evitar ataques desse lado. Talvez foram essas circunstâncias, e não a beleza de Helena, que promoveram o ataque das mil naus contra Iliun (ob.cit.vol.1, 2ª.parte, pág. 46). PIEDADE (Poesia): Jocosamente “Temístocles considera o seu filho como o verdadeiro Governador de Atenas, pois ele, Temístocles, o homem mais influente da cidade, obedecia à esposa, que por sua vez era governada por aquele filho” (ob.cit. vol.1, 2ª. parte, pág. 371). VIOLÊNCIA (Política): Dando um pulo no tempo e chegando ao Brasil de nossos dias, sentimos que são raros os políticos (vereadores, prefeitos, deputados, senadores, governadores, presidente da república e também alguns titãs carunchados dos poderes judiciários e empresariais e também a corja dos traficantes e os asseclas do crime-organizado e os inocentes úteis cooptados pela cruel sistemática da corrupção, incluindo ai , infelizmente, os militantes petistas) que não sejam em suas ações extremamente violentos. Os piedosos são poucos em relação aos violentos e seu poder de influência popular é minguado. PIEDADE (Poesia): “Eu preparo uma canção em que minha mãe se reconheça, todas as mães se reconheçam, e que fale como dois olhos. ........................................... Minha vida, nossas vidas formam um só diamante. Aprendi novas palavras e tornei outras mais belas”. 

(Fragmento do poema “Canção Amiga”, de Carlos Drummond de Andrade, em Obra Completa (Cia. Aguilar Editora, 1964, RJ, pág.221).