sábado, março 28, 2009

ENCONTROS COM FRANCISCO IGLÉSIAS

Ícone emblemático da cultura mineira, autor de “Historiadores do Brasil”, “Trajetória Política do Brasil”, outros livros e tantos textos ainda não reunidos numa publicação mais coesa, ele deixou-nos a inesquecível lembrança de uma pessoa transcendente, ou seja, que estava sempre adiante do que escrevia e do que vivia entre amigos, leitores e familiares do dia-a-dia. Um historiador que era, sobretudo, um escritor? Um escritor que era, sobretudo, um ser humano, sobremodo humano, surpreendente nos atos, nos escritos e na conversação? Estive pessoalmente com ele três vezes. A primeira foi num jantar na Casa dos Contos, de Belo Horizonte, numa homenagem que os intelectuais mineiros fizeram ao poeta Roberto Fernandez Retamar, então Ministro da educação na Cuba de Fidel Castro (um impostor que nunca me enganou). Lembro-me que ficamos frente a frente na ponta de uma mesa comprida, de tal maneira que pudemos conversar longamente sobre as minhas dúvidas referentes à História de Minas e às certezas dele sobre o mesmo assunto. É assim que o bom aluno, diante do bom mestre, aprende, não? A penúltima vez foi na residência dele, onde fui levado pela poeta Lélia Coelho Frota (então Diretora da FUNARTE) e pela antropóloga Maria Laura Viveiros de Castro (então Diretora do Instituto Nacional do Folclore). As duas, mestras especializadas em cultura popular, contrataram-me para realizar uma pesquisa sobre a Cultura Popular de Minas Gerais, e queriam convidar o Professor Iglesias parasupervisionar o nosso trabalho. Ele foi muito gentil e atencioso, abdicou da incumbência alegando estar, então, comprometido com outro trabalho. Mas a conversação que mantivemos com ele serviu de orientação – e até mesmo prescindimos, depois, de qualquer supervisão para realizar o trabalho, que foi integralmente aprovado para publicação na editora da UFMG (que não chegou a ser concretizada porque a verba da FUNARTE perdeu-se com a sumária extinção dela pelo então presidente Collor). A primeira vez que tive o prazer de encontrá-lo foi em Pirapora, junho de 1969, no Segundo Festival de Poesia, promovido pelo Clube Literário Inácio Quinaud e a Prefeitura Municipal,órgãos do Município. Festival que desdobrou-se em três dias e noites, com lançamentos de livros de Affonso Ávila e conferências de Francisco Iglesias, Ângelo Osvaldo de Araújo, Laís Corrêa de Araújo e Rui Mourão. Tenho em mãos a resenha que na época escrevi e publiquei no Jornal Literário AGORA, de Divinópolis, sob a rubrica de “Desfile Alegórico”, que aqui reproduzo, em parte: “O ponto alto do Festival, uma verdadeira aula de literatura brasileira, reunindo os alunos dos colégios e dos grupos escolares da cidade, devidamente caracterizados com os figurinos e adereços, representando os AUTORES E PERSONAGENS DA LITERATURA BRASILEIRA, DA FASE COLONIAL Á DO POEMA PROCESSO. Assim, juntamente com todo o povo da domingueira manhã daquela pitoresca cidade, vimos: o Padre Anchieta com os Jesuítas e os Índios, os Árcades da Inconfidência Mineira e suas musas,os expoentes do romantismo (Castro Alves, Casimiro de Abreu, Álvares de Azevedo etc), os indianistas (Gonçalves Dias, José de Alencar), os realistas (Machado de Assis, Lima Barreto, Raul Pompéia), os simbolistas (Cruz e Sousa, Alphonsus Guimarães), os parnasianos (Olavo Bilac, Alberto de Oliveira), os modernistas (Mário de Andrade, Guimarães Rosa, Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Graciliano Ramos, Murilo Rubião). Acompanhando cada bloco e devidamente caracterizados, as moças e rapazes, meninas e meninos, representavam Iracema, Isaura, Capitu, Moreninha, Braz Cubas, Clara dos Anjos, Moça Fantasma, as Três Moças do Sabonete Araxá, Macunaíma, o Ex-Mágico, o Padre e a Moça, os escravos e os coronéis, os retirantes, os símbolos das lendas e dos mitos do imaginário popular transcritos na literatura. E outros blocos igualmente merecendo os entusiásticos aplausos da multidão: Ismália quando enlouqueceu, Marilia de Dirceu, Bárbara Heliodora, Riobaldo Tatarana e Diadorim (a cavalos, seguidos por Miguelim), tudo satisfatoriamente representado na airosa manhã daquele domingo piraporense projetado pelo esforço e bom gosto de Domingos Diniz e os poetas Ivan e Argelce Motta”. Todo o belo espetáculo inspirado na criatividade literária do trabalho histórico de nosso saudoso e para sempre benquisto Francisco Iglesias. Que a mais aprazível eternidade o tenha, carinhosamente. 

sexta-feira, março 27, 2009

COMO O DIABO GOSTA

1 – Abaixo a Pedofilia! “Os homens não melhoraram/ e se matam que nem percevejos” – assim poetava Drummond, décadas passadas, no decurso de sua exposição do sentimento do mundo. Está cada vez pior, é o que constatamos diariamente através das dolorosas experiências nos relacionamentos pessoais e do testemunho do noticiário da imprensa falada, escrita e visualizada. Cada vez pior. Agora, além dos crimes hediondos dos políticos e dos trapaceiros monetários e dos traficantes e lobistas, estamos defrontando o desnudamento (há quando tempo descuidado!) da infame (e põe infâmia nisso!) da pedofilia, um ato tão vil que nem mesmo os animais ditos (erroneamente) irracionais cometem. “Estima-se que, no Brasil, a cada dia, 165 crianças ou adolescentes sejam vítimas de abuso sexual. A esmagadora maioria deles, dentro de seus lares” – assim está na reportagem da VEJA (edição 2105). Exagero? Creio que não. Qualquer observador do comportamento humano nas ruas das cidades pode testemunhar os constantes assédios velados e explícitos dos marmanjos desocupados nas esquinas (figuras nojentas de pançudos, grisalhos, descarados), paquerando as mulheres que passam, principalmente as bonitas e as de roupas cavadas no corpo naturalmente rebolante, os sacanas jogando indecorosas frases feitas e piadinhas manjadas, de mau gosto, indecentes. Outro dia mesmo presenciei uma turma de desabusados pilantras numa das esquinas de uma rua do centro, constrangendo uma adolescente que passava com sua roupa (inocentemente?) provocativa, e um deles, pinguço e barbudo, falando alto aos colegas, para a mocinha ouvir: “Uma carninha macia assim é que meu médico recomendou para a saúde de minha idade”. Enquanto os outros riam e debochavam, a mocinha abaixava a cabeça sem saber como trocar os passos no passeio esburacado. Uma cena comum, infelizmente, em vários pontos públicos da cidade. Lembro-me dos operários na construção de um prédio vizinho à minha casa, do alto de um prédio em construção, “mexendo” com as mulheres que passavam na rua, incluindo as meninas. Uma delas, uma vez, em resposta às exclamações indecorosas dos meliantes, respondeu, gritando a chamada pedra noventa, seguida da justa definição: “cambada de tarados!”. A reportagem da revista acentua que, pela internet, a corrupção de menores é ainda mais intensa e freqüente. Só nos últimos dois anos uma ONG destinada a combater a pedofilia online no pais “recebeu denúncias sobre 109.000 páginas eletrônicas com conteúdo pornográfico infantil”. Porca miséria, heim? Um crime assim mereceria uma condenação bem à altura da hediondez, não? Pena de morte ou imediata castração do culpado? 2 - A Classe Dirigente. A classe dirigente, em todo o mundo, só dirige para si mesma? Ao longo do tempo, a classe dirigida vai e volta, continuamente, de Herodes a Pilatos. Isso na idade primitiva, na clássica, na média, na moderna. Os cabeções mandam, os cabecinhas obedecem. Os regimes políticos mudam, mas o figurino da convivência social é sempre o mesmo: quem pode, pode; quem não pode, sacode. Quando os ativistas ideológicos saudaram o comunismo como uma salvação, deram com os burros na água, como se diz. Depois surgiu, como num passe de mágica, o tal de liberalismo econômico atrelado à tal de globalização e à chamada economia de mercado. O céu chegou a ficar todo azul e a terra toda ensolarada. Passaram-se alguns anos e a lua de mel entre o capital e o trabalho nas entranhas da rentabilidade econômica esfarelou de repente – e de repente estoura, como uma bolha de brincadeira infantil a crise econômica, a mostrar que toda a estabilidade e todo o enriquecimento das nações não passavam de castelos na areia. A louca ventania desabou sobre as bolsas de valores, quebrando os bancos e as empresas, e de repente o cenário é o que agora se nos apresenta: nublado, com chuvas e trovoadas, mundialmente. E logo, como que por encanto (ou desencanto?) a quebradeira dos patrões atônitos e o desemprego dos trabalhadores ainda mais atônitos, lança no ar a universal pergunta, em três variáveis: quem errou? Como errou? Por que errou? De minha parte a pergunta é mais simples: por que o simples ato de viver é tão complicado assim? Como extirpar as caraminholas nas cabeçonas do pessoal da chamada classe dirigente?

terça-feira, março 24, 2009

A POSTERIORI

Quem disse que todo animal fica triste depois do coito? Nem todo, eu digo. Nem todo entristece posteriormente. Aprendi desde muito cedo na vida (e disso nunca esqueço), que a boa transa sexual (aquela demorada, ardente), ah! quando o espírito sai do corpo e adormece um pouco ou muito na gostosa inexistência do ser e do estar, ah! é neste desmaiado instante de exceção que o espírito se transforma em alma e então, aí sim, o repouso é necessário para se obter o novo impulso de viver. Aí então a paz que advém do aguerrido transe abençoa tudo que a memória recapitula: a própria terra como um todo (agora toda revolvida em fértil lavoura), o próprio céu como um todo, (agora chegando com o sol e a chuva da concupiscência) derramando o bálsamo da poesia feminina na prosa masculina de todo relacionamento humano na face da terra.

A CHUVA (*)

Ela agora, depois de prover-se na lagoa, recompõe nossas células, refresca a chama mórbida, a tensão dos espetos. Os patos ficam mais alvos, um bambu canta na moita, a manga amadurece de repente. Ela agora reúne as fases do tempo e malha o coração de ferro, umedece as estruturas metálicas, lava o ar e o chão da cidade que nos apodrece. Sem resíduos e aderências, ela está vindo de outro século e cai na grama do terreiro. Depois ela vai para o mar - e no-la esqueceremos. 

(*) Escrito em 1983, que ainda subscrevo in totum.

segunda-feira, março 23, 2009

A BELA E QUERIDA UBERABA

Não sou um estudioso da literatura, apenas um amante dela. Não sabia que Campos de Carvalho (o renomado autor de “A Vaca do Nariz Sutil”) era uberabense, sequer mineiro. Agora, depois de saber da naturalidade do inspirado poeta e escritor de ressonância nacional, Uberaba ainda mais se engalana culturalmente, na minha opinião. Lendo os poemas dele no livro de Guido Bilharinho “A POESIA EM UBERABA: Do Modernismo à Vanguarda” (edição do Instituto Triangulino de Cultura – Uberaba, MG, 2003), sinto que eles atingem a expressividade qualificativa dos eternos problemas e soluções que afetam os seres humanos de todas as épocas, perenizando o legado que o Guido tanto valoriza, das indagações que nos acompanham, sempre, nas ocupações e nas preocupações. Sentimos o impacto da temática que ainda hoje motiva as claras perguntas e as difusas respostas de nossa terrena existência. Para se ter uma idéia da rica e diversificada poética da bela e querida Uberaba é recomendável examinar os textos do livro, que vão da página 41 à última (325), anteriormente publicados em livros e jornais a partir dos anos 40 até os anos 90. Mesmo assim, sem citar Cacaso (Antônio Carlos de Brito (1944-1987), poeta maiúsculo e parceiro musical de Edu Lobo, Djavan, Joyce e Jobim; e Mario Palmério, autor em prosa de duas possíveis obras primas “Vila dos Confins” e Chapadão do Bugre”. Na relação de autores nascidos e radicados no município, com textos publicados neste livro consta, além do referido Campos de Carvalho, os seguintes: Santino Gomes de Matos, Moacir Laterza, Jorge Alberto Nabut, Xico Chaves, Paulo Vicente de Souza Lima, Carlos Roberto Lacerda, Terezinha Hueb de Meneses, Olívio Tomain Neto, Maria Aparecida dos Reis Lisboa, Hugo Maciel de Carvalho, José Humberto Silva Henriques, Tony Gray Cavalheiro, Juliano Bologna, Marcos Bilharinho e André Luiz Fernandes da Silva. Sei muito bem que Uberaba é um celeiro de celebridades, também, em outras áreas de atividades. Vivi lá na minha primeira juventude e o somatório de recordações é tão grande e intenso que exigiu de mim um esforço difícil e compensador de tentar exprimir aquela quadra da vida em mais de uma centena de páginas da segunda e última parte de um romance inédito (“Tentação Noturna – Memórias de Um Cinéfilo”), no qual procuro retratar, em parte, a paisagem urbana da cidade no início da década de 50. Mas estávamos falando de obras publicadas e não das inéditas. Perdão.

domingo, março 22, 2009

MUDANÇA CLIMÁTICA

À Inês Belém Barreto. 

Nossa casa tem um quintal desprendido de uma antiga gravura rural, revestido de trinta e tantas árvores miúdas e parrudas, frutíferas e decorativas, algumas finas e torcidas, outras de largas braçadas nos troncos cascudos. Dezenas de galhos pendidos nos altos e nas copas. Um capricho saudosista? Uma reserva ecológica? Uma ninhada de clorofilas, um gancho de fotossíntese? Fico abismado de ver, fico saudável de aurir os ares purificados, atento aos meneios sedutores da reduzida natureza, ali compreendida, de tempos e espaços tão predadores como os nossos, refeitos de outras refregas nos urbanos perímetros, além desta casa onde vive o melhor de minha pessoa. É uma ilha, uma ilha verdejada em pleno centro da cidade de pétrea e de férrea pavimentação, de adensados metanos e carbonos, de emendados arranha-céus de cimento-armado. Todavia, para contemporizar o abafamento o nosso quintal celebra a infinda festa das estações, abrindo a plumagem e o canto e o vôo dos pássaros (rolinhas, sabiás, bentevis, pardais e pombas) e o silêncio e o mourejar das minhocas e borboletas, das formigas e aranhas e abelhas e tanajuras e os sapos de cócoras a sugarem os espinhentos pernilongos.... Porém, na segunda quinzena deste mês de março de 2009, ocorre uma mudança de cheiro, de cor e de som nas dimensões do cenário em pauta antes tão musical. Isso acontece depois da ocorrência dos vendavais de fevereiro (as chuvas e as trovoadas, os raios e a ventania, as enchentes de água barrenta, os desabamentos, o diabo a quatro nas partes baixas da cidade). Os pássaros sumiram. Os pássaros sumiram. Estou agora bobo de ver o silêncio reinante no retângulo até então buliçoso e cantante. Por que sumiram? Mistério. Mistério. Agora quero dizer que é, que é de cortar o coração, que é de cortar o coração ver a tristeza nas mangueiras, e tanto silêncio nas jabuticabeiras, e tanta desolação nos pés dos Mimos de Vênus. Quando eles voltarão? Quando voltarão para de novo alegrarem o meio-ambiente e saudarem o nosso dia-a-dia?

terça-feira, março 17, 2009

A ARTE DE ESCREVER

Lélia Parreira Duarte, autora de muitos trabalhos literários, entre os quais o monumental “Veredas de ROSA – Seminário Internacional Guimarães Rosa (1998-2000) - PUC Minas: 765 páginas de 26 x 18 cm., contendo textos de 143 autores - entre os quais o deste resenhador, intitulado “Manuelzão e Miguelim, da página 348 a 353, cuja leitura apresentei pessoalmente numa das Salas destinadas ao Seminário, da mesma Universidade. Ao longo da textura do volume captei e anotei a importância de dados sobre: “a visão do pensamento e dos olhos” (página 24), “a mãe sendo a alegria dos momentos” (49, “o que Rosa quer, ao escrever” (52), “arredar o ruído dentro de si” (55), “o cidadão não tem o diabo dentro de si” (57), “a oralidade e o eruditismo” (275) “os chistes escancham os planos da lógica” (75), “o esplendor do simples” (77), “a utilidade do vazio” (82 - tema recorrente de sua obra), “o Natal dos marginais” 98 e 101 e “o excessivo valor dos desejos” – e assim nas páginas e mais páginas seguintes relacionam-se as preciosidades cognoscíveis e imprescindíveis aos estudiosos da alma humana. Além desse importante trabalho, ela publicou, ainda, outros trabalhos, inclusive os textos resultantes de mais dois Seminários “Ironia e Humor na Literatura de Língua Portuguesa” e “De Orfeu e de Perséfone – Morte e Literatura”, ambos de ampla e condizente repercussão crítica. Seu novo e recente livro: EXERCÍCIOS DE VIVER em palavra e cor” (Editora Veredas e Cenários – Educação, Arte e Cultura, Belo Horizonte, MG, 2009) é uma incursão na dialética da descontração aprofundada dos juízos de valor em face às imagens subversivas do ilogismo vivencial. É um livro para se guardar no recôndito mais aprazível da biblioteca e também para presentear os amigos do coração em datas memoráveis, algo como uma jóia, preciosa, da superfície ao âmago. Ao mesmo tempo lúdico e natural, simples e profundo. Suas 72 páginas são passageiras e definitivas, cada uma preenchida com os “prodígios em textos e telas”, como afirma a prefaciadora Maria Thereza Abelha Alves. Ao lado de cada página de cor unificada, que dá guarida aos versos escritos em outras cores, vem a reprodução dos desenhos em óleo sobre tela, jogos de combinações de cores criando as figuras oníricas de expressividade instantaneamente captada, associada e auferida pelo leitor contentado. Espontâneas recriações e citações de Monet, Chagall, Kandinsk, Van Gogh, Paul Klee, Drummond, Pessoa – uma beleza comovedora. “Aprender é também inquirir, - é o que melhormente a citada prefaciadora diz do trabalho de Lélia Parreira Duarte. O óleo sobre tela “Para Ricardo Reis”, da página 35, é um instantâneo epífânico da eternidade captado num relance para o gáudio de todo amante da beleza universal. No poema adjacente, à esquerda (pág. 34), ela reconhece que a impossibilidade de dominar a cor, sabendo, no entanto, que a “atração é infinda” e “que é bom fazer”. Minha mania de citar e citar e citar é mesmo incontida. Como não passar ao leitor as seguintes aquarelas mentais e sentimentais da autora? Dois pontos: ”A vida se acaba mas pode ter amores (página 24). A textura do vazio vertido em palavra e cor (pág. 26). Flores/ asas/ cores/ lágrimas/ orgasmos ou a vida/ e morte/ embaralhadas?’(pág. 42). E o dilema pictórico na página 60: “o traço é difícil a sombra traiçoeira, a luz incapturável. Mas a atração das cores (e do discurso) é irresistível”. Madrugada (pág. 30): “Aurora e serpentes/ luzes e cores/ desejos/ frustrações/ vertigens/ esperas. Teia de cores Trama de luzes Abismo em que me perco me achando”. Viagem Suspensa (66): “Entre o sonho e a realidade o prazer e a dor a alegria e a sua falta - a vida”.

EROS, FILHO DE AFRODITE

Na hora afeiçoada no cordel das madressilvas, a divindade é parceira de nossa humanidade. Foi assim que o Caos gerou a Noite e também o Éter e o Dia, os quais, em conluio, geraram o Céu cheio de luz que abençoa a terra, abrindo nas espumas do mar o nascimento de Afrodite, mãe da beleza e do prazer e dos amores e das graças e dos jogos e dos risos e sobretudo de Eros, imbuido do ávido paladar evocando e contaminando toda a divina linhagem feminina, no limiar de um mundo caloroso que criou e educou Minerva, Íris, Hebe, Ártemis, o corolário de consecutivos diademas e a penca de seus amores e de suas paixões: as Ninfas e as Bacantes (o amor para ser amor precisa ser correspondido nas asas, nas pernas nos braços e flechas sedutoras); as nove Musas do Parnaso entre as palmeiras e os loureiros, as Horas, as Parcas, as Graças, as Nereidas, as Amazonas, as Sibilas, as Danaides, as Sereias (as deusas tão humanas, as humanas tão divinas); e além das mencionadas as mencionáveis: Alceste, Ônfale, Alcione, Jocasta, Antigone, Ismênia, Polinice, Ariana, Fedra, Medeia, Eurídice, Hecuba, Helena, Clitnestra, Leda, Penélope, Andrômaca, Dido, Cassandra......... Da aurora auspiciosa à noite dos estrépitos e fulgores, (no tempo e no espaço, paralelamente), os deuses, inspirados no ávido paladar e na magnífica visão de Eros, procuravam a encarnação do aroma, a auréola do clímax (isso desde a aurora auspiciosa até à noite dos estrépitos e fulgores), na viagem em mão dupla de ambos os sexos, como se cada um procurasse no corpo do outro a palavra ideal que as estrelas diriam se dissessem (no hermético sigilo de seus pruridos vocabulares) na configuração ampliada do universo cordial-afetivo da exposta sensualidade dos interlúdios nas almofadas das alcovas, das interferências dos desejos à flor da pele, as almas corporificadas nuas e nuas de ambas as partes, de ambos os lados, sumamente interligados. Ele procurando as doces palavras no corpo dela: as pétalas da corola responsável pela úmida quentura, as peles e pêlos eriçados no fragor triunfal, as pupilas piscando, convidativas, os arcanos entreabertos sugando o mel das orquídeas, as penas que voam na alacridade do elenco formidável das miragens, no olhar interior das bactérias e dos cromossomos (Ah! Oh! Tudo isso faz lembrar-me do olhar que era toda a pessoa de Micahele Morgan: verdes e tão verdes na telona do filme noir francês), lívidos penedos desbeiçando das alturas ignotas, revelando as feições satisfatórias dos amantes nos umbrais das felizes uniões de fervores: as uvas em cachos trançados um pouco acima do ávido paladar erótico?... A moderna ressonância das pretéritas mitologias, a doçura do lirismo, a quentura da epopéia, a frialdade distanciando nas esferas de remotos vislumbres, as palavras chovendo e chovendo e chovendo das alturas para o dossel do leito dourado, no meio das nuvens de imagens e de metáforas especiais do mais vivo estertor de uma morte demorada, de uma súbita ressurreição da extrema lucidez prenunciando o sono reparador e melodioso, novamente a prelibar a guloseima tão longamente almejada.

quinta-feira, março 12, 2009

FILMES E VERSOS

Feminismo Versus Machismo. Vejo, embevecido, na tela do vídeo o preto e branco mais colorido das ruas no crepúsculo efervescente das pessoas voltando para casa, enquanto desviando-se do bulício congestionado de uma grande cidade, Judy Holliday tenta camuflar a arma de fogo com a qual pretende matar seu marido adúltero Tom Ewell. Sinto e comprovo que as cores dos seres vivos são sempre firmes, consistentes. A música de Cole Porter é o complemento virtuoso: é de um músico que nasceu e viveu inspirado: bastava dar-lhe o tema e a dica, que logo a beleza melodiosa jorrava, triunfava. Canções que transbordam do fílmico enredo, impregnando o ambiente de uma aura de excepcionais significados. Spencer Tracy e Khatarine Hepburn formaram um dos casais mais emblemáticos e conhecidos da filmografia da década de 50. Ele, o tipo machão; ela, a feminina feminista. Simbolizam a diferença tradicional dos dois sexos? Diferença pequena, eles concluem, depois da acalorada discussão na parte final da fita. Mas, entre risos e abraços e beijos, eles chegam ao apoteótico final, repetindo a legenda francesa: “os dois sexos são diferentes, mas...Viva a Diferença!”. Mártir e Mesmo Assim Lírica. Comecei a ver um filme na TV depois de iniciada a projeção, de modo que nem captei o título. “Meu nome é Cora e sou ruiva”, a enfermeira estava dizendo ao acidentado que ficou cego num incêndio do navio em alto mar. Ela é bela e pudica, tão pudica que não se desnuda nem no banheiro, nem na cama, mesmo sabendo que a única testemunha é o paciente cego. Fria como a cinza do fogo mortal do estupro (que depois ficamos sabendo que ela sofreu seguidamente durante anos e anos como prisioneira de guerra), ela ostenta o canto do lábio inferior do lado esquerdo da boca bem mais gordinho do que o do lado direito. Por que? Através de lances e de indiretas ficamos sabendo que o cego sente muita vontade de beijá-la e de conhecer a vida dela, que ela tanto esconde, tão intrigante e solícita e cuidadosa ela é, ajudando-o em tudo, inclusive em cumprir suas necessidades fisiológicas. “Seus pêlos pubianos vermelhos”, o cego imagina e diz (em off) em seu respeitoso comedimento. Assim ela permanece no interior do navio abalroado, fazendo-se de surda e muda, nem sozinha nem acompanhada, assim displicente, destemida e à vontade entre os membros masculinos da tripulação. Depois, no final, já em terra firme, quando o cego recupera a visão – e a procura até encontrá-la, fugindo de tudo e de si mesma, num terreno baldio e deserto. Aí então o diálogo entre os dois deslancha. Ele a quer em sua vida, ela nega, argumentando que não pode repartir com ninguém sua desmedida infelicidade, que vem de um passado sombrio, carregando o peso de um sentimento de vergonha, que é maior do que o da dor. Alega que uma enchente de lágrimas vai inundar seu rosto toda vez que ressentir que a vergonha é maior do que a dor da recarga das horrendas lembranças do passado. “Quando a enchente inundar-me o rosto, a cama, a casa, o bairro, a cidade, o país, o mundo:... o que faremos soterrados no sal das infinitas lágrimas de minha eterna e tão palpável tragédia?” Assim ela define sua negativa. ele não se contém: nesse momento abraça-a com força, beija-a freneticamente, dizendo: “Eu sei nadar muito bem – e ensino a você a nadar também”. Aí a câmera distancia, enquanto de novos abraços eles alcançam os novos beijos da reciprocidade amorosa, finalmente encontrada pelos dois sobreviventes de uma guerra estúpida e bestial. Nas Profundezas do Bosque (*). A realidade de hoje pode ser uma lenda amanhã? Quando os olhos de duas pessoas (que foram feitas uma para a outra) se encontram, ambas estremecem?. O gato é o gato e também é o bichinho empertigado, maravilhoso. Somos iguais a ele nas objeções e nas necessidades, temos os mesmos desejos e temores, os mesmos sentidos e os mesmos destinos: uns mais aproximados, outros mais distanciados. Esmiuçar as miudezas (a de uma montanha, a de um grão de areia) e depois inverter o propósito: ir de um cisquinho no terreiro da casa ao montão de lixo no terreno baldio. Tudo é grande e pequeno, simultaneamente? Gaiato e formoso de um momento para outro? A fundura já foi rasa alguma vez? Se a árvore não precisa caminhar por que tem a perna tão bela e firme? Se Deus existisse como dizem que existe, ele não protegeria os homens, as aves e os bichos, os vegetais e os animais, constantemente? Não cochicharia em nossos ouvidos suas epifanias, doutrinas e bizarrias, pelo menos de vez em quando? 

 (*) Considerações em torno da leitura do livro (fábula? Romance?) “De repente, nas profundezas do bosque”, de Amós Oz.

terça-feira, março 10, 2009

OS RETALHOS DO TECIDO IV

A SÉTIMA ARTE. Os filmes, ah os bons filmes dramáticos, cômicos, trágicos: são como os bons livros do mesmo gênero, a brilharem no céu de nosso entendimento. Sei que os livros têm precedência, são mais individuais, mais artesanais, por assim dizer, enquanto que os filmes são mais industriais, dependem de um trabalho afinado coletivamente – e o livro advém, sempre, do esforço individual. Sou um cinéfilo inveterado desde a infância: já vi e em alguns casos revi, dois terços no mínimo dos filmes considerados clássicos (de boa qualidade), relacionados e criticados nos dois monumentais volumes “As Mil e Uma Noites do Cinema” (568 páginas), de Pauline Kael, e “Os Mil e Um Filmes Para Ver Antes de Morrer” (960 páginas), de 66 autores sob a editoria geral de Steven Jay Schineider. Baseado em ambas as relações, vou alugando nas locadoras os que ainda não vi. Hoje mesmo peguei na Delta: “Consciências Mortas”, “Cais de Sombras”, “O Desespero de Veronika Voss”, “A Costela de Adão”, “A Caixa de Pandora”, e “Núpcias de Escândalo”. Na biblioteca de minha residência reservei duas estantes para os livros dedicados ao amor e à crítica de filmes de todos os gêneros e de todas as partes: são quase duzentos livros, que vão de biografias de astros e estrelas às esmeradas críticas de filmes referenciais da bela história cinematográfica em todo o mundo, principalmente da fantástica produção de Hollywood. E acabo de receber, do Instituto Triangulino de Cultura (de Uberaba) o livro de Guido Bilharinho “O Drama no Cinema dos Estados Unidos” em que ele discorre sobre dezenas de filmes que ficaram na história do cinema, entre os quais só dois ainda não vi (mas que pretendo ver): “Silêncio de Uma Cidade” e “Só Resta Uma Lágrima”. A bibliografia do Autor (Guido Bilharinho) é riquíssima (quem se interessar, entre em contato com ele através de institutotriangulino@yahoo.com.br ou Caixa Postal 140, cep 38001-970, Uberaba, MG), na qual consta 12 livros versando sobre: o cinema brasileiro, os clássicos do cinema mudo, os filmes de faroeste, os de guerra, os musicais, os de autores, além de dezenas de obras referentes à literatura e às histórias regionais e Contos e Poemas. Uma riqueza editorial. Atraente e satisfatória. VILÃO OU HERÓI? A grande pergunta que circula na opinião pública brasileira: o Dr. Protógenes Queiroz é um herói ou um vilão? Todos sabem da ilicitude do ato que cometeu em bisbilhotar através de grampos telefônicos a vida de muitas autoridades do primeiro escalão da vida brasileira, no meio das quais figuram muitos nomes manjados (hediondos?) da vergonheira nacional. Sabemos que o funcionário público, no exercício de suas funções, não pode abdicar da dignidade de sua pessoa para tornar-se um cúmplice das trapalhadas que estão no caminho de seu desempenho funcional. Ao notar algo como a cooptação do certamente ingênuo filho do presidente da república pelo corruptor das altas esferas (pivô da Operação Satiagraha), ele não se conteve e foi até às últimas conseqüências de seu “desvirtuamento” funcional. Não é culpado por toda a podriqueira com que deparou enquanto trabalhava. Creio, pois, que seu “deslize” até mesmo trará resultados positivos para o estabelecimento de uma política administrativa sadia no país, desmascarando os figurões tramadores de infinitos desvios de verbas públicas. E honrando perante a opinião pública nacional o que os líderes que consideram o dinheiro público, como sendo aquele que, na opinião de nosso político exemplar Jovelino Rabelo, “é recolhido no pires dentro da igreja na hora do ofertório”. Algo sagrado – e não o esterco do demônio. AVANTE RONALDO! Cruzeirense desde a mais tenra idade, é agora com muita sinceridade que mantenho dentro de mim uma dívida de gratidão com o craque Ronaldo pelas incontidas e repetidas alegrais que ele propiciou-me vestindo as camisas alvi-celestes do Cruzeiro e amarela da Seleção Brasileira – algo mais exuberante do que as epifânicas atuações de Pelé e de Garrincha nas outras inesquecíveis pugnas esportivas. Depois que passou a jogar com três pernas (por assim dizer) em vez de duas, ele manchou sua biografia de uma pessoa de comportamento moral ilibido. Mas essa fase pejorativa afeta a tantos outros jovens que conseguem a fama sem terem ainda a necessária idoneidade para processá-la condignamente. No caso dele, Ronaldo, não pretendo justificar, mas sim perdoar e continuar aplaudindo suas belas (incomparáveis) jogadas dentro de um campo de futebol. Imperdoável seria, no caso, se ele exacerbasse suas jogadas sexuais, o que, afinal de contas, nunca chegou nem mesmo aproximar-se de qualquer uma das cláusulas ditas criminais. Algo que, se ele não fosse famoso como é, ninguém teria tomado conhecimento. Não sou corintiano, mas torço muito pela reabilitação física e moral do nosso melhor jogador de futebol de todos os tempos. Uma outra alegria do povo, como o Garrincha de outros tempos? Sim, creio que sim. OS RETALHOS DO TECIDO IV - Lázaro Barreto. A SÉTIMA ARTE. Os filmes, ah os bons filmes dramáticos, cômicos, trágicos: são como os bons livros do mesmo gênero, a brilharem no céu de nosso entendimento. Sei que os livros têm precedência, são mais individuais, mais artesanais, por assim dizer, enquanto que os filmes são mais industriais, dependem de um trabalho afinado coletivamente – e o livro advém, sempre, do esforço individual. Sou um cinéfilo inveterado desde a infância: já vi e em alguns casos revi, dois terços no mínimo dos filmes considerados clássicos (de boa qualidade), relacionados e criticados nos dois monumentais volumes “As Mil e Uma Noites do Cinema” (568 páginas), de Pauline Kael, e “Os Mil e Um Filmes Para Ver Antes de Morrer” (960 páginas), de 66 autores sob a editoria geral de Steven Jay Schineider. Baseado em ambas as relações, vou alugando nas locadoras os que ainda não vi. Hoje mesmo peguei na Delta: “Consciências Mortas”, “Cais de Sombras”, “O Desespero de Veronika Voss”, “A Costela de Adão”, “A Caixa de Pandora”, e “Núpcias de Escândalo”. Na biblioteca de minha residência reservei duas estantes para os livros dedicados ao amor e à crítica de filmes de todos os gêneros e de todas as partes: são quase duzentos livros, que vão de biografias de astros e estrelas às esmeradas críticas de filmes referenciais da bela história cinematográfica em todo o mundo, principalmente da fantástica produção de Hollywood. E acabo de receber, do Instituto Triangulino de Cultura (de Uberaba) o livro de Guido Bilharinho “O Drama no Cinema dos Estados Unidos” em que ele discorre sobre dezenas de filmes que ficaram na história do cinema, entre os quais só dois ainda não vi (mas que pretendo ver): “Silêncio de Uma Cidade” e “Só Resta Uma Lágrima”. A bibliografia do Autor (Guido Bilharinho) é riquíssima (quem se interessar, entre em contato com ele através de institutotriangulino@yahoo.com.br ou Caixa Postal 140, cep 38001-970, Uberaba, MG), na qual consta 12 livros versando sobre: o cinema brasileiro, os clássicos do cinema mudo, os filmes de faroeste, os de guerra, os musicais, os de autores, além de dezenas de obras referentes à literatura e às histórias regionais e Contos e Poemas. Uma riqueza editorial. Atraente e satisfatória. VILÃO OU HERÓI? A grande pergunta que circula na opinião pública brasileira: o Dr. Protógenes Queiroz é um herói ou um vilão? Todos sabem da ilicitude do ato que cometeu em bisbilhotar através de grampos telefônicos a vida de muitas autoridades do primeiro escalão da vida brasileira, no meio das quais figuram muitos nomes manjados (hediondos?) da vergonheira nacional. Sabemos que o funcionário público, no exercício de suas funções, não pode abdicar da dignidade de sua pessoa para tornar-se um cúmplice das trapalhadas que estão no caminho de seu desempenho funcional. Ao notar algo como a cooptação do certamente ingênuo filho do presidente da república pelo corruptor das altas esferas (pivô da Operação Satiagraha), ele não se conteve e foi até às últimas conseqüências de seu “desvirtuamento” funcional. Não é culpado por toda a podriqueira com que deparou enquanto trabalhava. Creio, pois, que seu “deslize” até mesmo trará resultados positivos para o estabelecimento de uma política administrativa sadia no país, desmascarando os figurões tramadores de infinitos desvios de verbas públicas. E honrando perante a opinião pública nacional o que os líderes que consideram o dinheiro público, como sendo aquele que, na opinião de nosso político exemplar Jovelino Rabelo, “é recolhido no pires dentro da igreja na hora do ofertório”. Algo sagrado – e não o esterco do demônio. AVANTE RONALDO! Cruzeirense desde a mais tenra idade, é agora com muita sinceridade que mantenho dentro de mim uma dívida de gratidão com o craque Ronaldo pelas incontidas e repetidas alegrais que ele propiciou-me vestindo as camisas alvi-celestes do Cruzeiro e amarela da Seleção Brasileira – algo mais exuberante do que as epifânicas atuações de Pelé e de Garrincha nas outras inesquecíveis pugnas esportivas. Depois que passou a jogar com três pernas (por assim dizer) em vez de duas, ele manchou sua biografia de uma pessoa de comportamento moral ilibido. Mas essa fase pejorativa afeta a tantos outros jovens que conseguem a fama sem terem ainda a necessária idoneidade para processá-la condignamente. No caso dele, Ronaldo, não pretendo justificar, mas sim perdoar e continuar aplaudindo suas belas (incomparáveis) jogadas dentro de um campo de futebol. Imperdoável seria, no caso, se ele exacerbasse suas jogadas sexuais, o que, afinal de contas, nunca chegou nem mesmo aproximar-se de qualquer uma das cláusulas ditas criminais. Algo que, se ele não fosse famoso como é, ninguém teria tomado conhecimento. Não sou corintiano, mas torço muito pela reabilitação física e moral do nosso melhor jogador de futebol de todos os tempos. Uma outra alegria do povo, como o Garrincha de outros tempos? Sim, creio que sim.

terça-feira, março 03, 2009

ATO 5

Revista de Literatura - Lázaro Barreto. Michelle Campos: desprendida, dona de si e mesmo assim atônita. A reparar nas flores despetaladas saindo de dentro dela, que apenas olhava para o dia seguinte. Luís Serguilha: o bloco de palavras inescritas, o feixe de versos inamovíveis, o vocabulário hermeticamente fechado a quem dele almeja entrar ou sair. Amanda Casal: permanece submersa entre escolhos de navios mineiros inventando mulheres desnudas em acessos de espera e vibrações de despedidas. Carlos Augusto Novais: a clara e plausível constatação de Flora Sussekind de que “a prosa de ficção brasileira das duas décadas seguintes ao golpe militar de 1964, seja ela naturalista ou fantástica, social ou autobiográfica, encontrou, na alegoria e na parábola, privilegiados procedimentos de comunicação” A literatura é uma faca de muitos gumes, e o mais cortante é o da contestação indireta. Confirmar ou não. Adrian Munhoz traduz Olga Valeska: “Toda pétala é uma extensão de teus dedos de mercúrio Todo inferno merece seus apocalipses Pois toda flama ilumina e incinera Toda árvore serve de balanço e de cadafalso”. E depois vem Max Moreira a comer o “sublime queijo do esquecimento”, agora momentâneo e depois repetente. E depois vem o Camilo Lara resenhando os flashes sonoros dos eternos anos sessenta. Depois o Fernando José Karl com os graves e agudos e lacônicos apontamentos de escorpião que “fora de mim agrilhoa”, considerando que a lua que “é chuva branca caindo nos olhos da meia-noite” – e a dolorosa estrofe da morte da mãe de todas as pessoas: “Eu só posso pressentir a morte de minha mãe - dentro de mim, no lado cardíaco da aurora – Foi tão claro o lúmen de seu olhar”. E depois de dois textos (de Jovino Machado e de Wagner Moreira) sobre dois poetas emblemáticos (Dylan Thomas: “a metade deste mundo é do demônio, a outra metade é minha”; e Tião Nunes, o poeta que “decompõe o objeto até pulverizá-lo para recompô-lo em outra visada”). E depois, nas últimas páginas, chegamos ao Calabouço e ao Caleidoscópio de Adriana Versiani; “Quem dera pudesse dissipar a sombra. A chave esqueceu-se na fenda da cratera”. E depois vem as acontecências de “68 por 68”, de Marcelo Dolabela: “1968 foi a explosão de um clique. De uma enorme represa. Várias culturas. Várias batalhas”.E vem, também, airosamente, Marco Anhapoci: “Não estou em nenhuma fotografia: meu corpo todo é língua: o silêncio é seu idioma”. Sinto e confiro que já passou da meia-noite e ainda falta ler (auscultar as minúcias) do número 06 da Revista ATO, com mais de 20 poetas e prosadores; e os números de dezembro e de janeiro do jornal literário DEZFACES, que já se tornou um ponto de referência e de contribuição (mineiras!) na sedimentação e floração das potencialidades e realidades do criacionismo literário de nosso tempo, tão escorregadio em outras áreas. São oitenta páginas preenchidas com textos de mais 45 colaboradores. Nunca se viu tanta fartura qualificada em Minas, no campo da literatura de vanguarda, não é mesmo? Literatura de vanguarda? Sim, a que abre caminho não para os princípios, meios e fins de rotações, mas sim o caminho em si mesmo, onde a vida vai e vem, vem e vai.