sexta-feira, fevereiro 17, 2012

UMA FAMÍLIA, COMO EXPLICAR? (*)

“Onde quer que a gente vá”, como diz o Millôr Fernandes (que falta ele faz no jornalismo brasileiro atual!), “há sempre um passado pela frente”. A Genealogia – viagem da família no tempo através do sangue – desenha uma árvore que cresce e multiplica, apesar das folhas e galhos que secam e caem, cortadas pelo destino, violento ou não. 

É uma atividade lúdica que vai formando a chamada árvore genealógica da família, com suas imagens: as raízes, o tronco, os galhos, os ramos, as folhas, as flores, as frutas, em suas formações verticais e horizontais, através da proliferação de um pequeno núcleo (uma casa que logo se transforma em rua, bairro, cidade) do casal com os filhos, do qual brotam e encompridam-se os galhos paralelos (tios, sobrinhos, primos) e verticais (avós, bisavós, trisavós; netos, bisnetos, trinetos). 

Uma árvore frondosa ou esquálida que cresce ou estaciona ou míngua conforme as qualidades e condições das sementes, do terreno e do trabalho cultural. A contemplação da imagem é sempre agradável à vista e ao coração: os elementos consangüíneos acasalados aos de afinidades resultam numa espécie de homogeneidade na heterogeneidade, na fusão por assim dizer multiplicadora, da qual os sinais gráficos se dispersam na mistura mas não se perdem. 

É assim que depois de cem, duzentos anos, um pentaneto pós-moderno pode ter os mesmos traços físicos e o mesmo nome do pentavô setecentista, apesar das sucessivas bipartições cromossônicas. O quadro, mesmo visto à distância, é aprazível e pertinente, indutor de variadas e contraditórias interpretações: pode dar a impressão de uma aquarela verde-rosa de rebentos bem formados na estruturação psicofísica ou suscitar dúvidas quanto à perícia do desenhista de revelar a verdade que transcende às aparências. 

Uma família é um barco nas águas marítimas, que balança ou plaina de acordo com o tempo. A família é a família e sua circunstância, como diria Santayana. Só é inteira se estiver contextualizada em si mesma, na afinidade de seus membros, e no meio social em que vive. A contigüidade territorial une as pessoas num sentido semelhante ao do parentesco, sem as peias e a hierarquização, numa dimensão de maior independência e familiaridade, apesar de menos sólida. É o produto da chamada horda não-diferenciada da morfologia social de Jay Rumney, uma tendência demográfica dos novos tempos. 

Carlos Drummond de Andrade exprime em versos o condicionamento paisagem\família: “Alguns anos vivi em Itabira, Principalmente nasci em Itabira. Por isso ou triste, orgulhoso, de ferro. Noventa por cento de ferro nas calçadas, Noventa por cento de ferro nas almas. E esse alheiamento do que na vida é porosidade e comunicação”. 

Por outro lado, a herança genética é como um fio condutor, tênue, flexível e resistente, que transmite, no percurso da vida familiar, os sinais de identificação e através deles as características de propensão comportamental. Vale a pena citar Drummond novamente: “Uma família, como explicar? Pessoas, animais, Objetos, modos de dobrar o linho, gosto De usar este raio de sol e não aquele, Certo copo e não outro, A coleção de retratos, também alguns livros, Cartas, costumes, jeito de olhar, feitio de cabeça, Antipatias e inclinações infalíveis: uma família, Bem sei, mas e esse piano?” 

É isto mesmo. Entre a família e o meio social há sempre um piano ou uma orquídea no valo do quintal. O risco da disfunção é sempre iminente. Cada ser humano herda o somatório genético que vem de tempo imemorial, através das gerações, num processo de reciclagem em termos de acumulação e dispersão dos elementos essenciais na formação das novas personalidades. De forma que onde quer que a gente vá há sempre um ascendente na descendência e vice-versa. 

(*) Texto extraído das páginas 205 e 206 do livro “Família Oliveira Barreto”, Edit. Express, Divinópolis, MG, 2005 (esgotado) de autoria deste escritor.